6 de fevereiro de 2014

AS CRIANÇAS NO MUNDO DOS ADULTOS

Encontrei este texto num grupo do qual faço parte, Mães de Transição, pedi autorização para "roubar" e aqui está mais um texto fantástico para todas as pessoas que convivem com crianças, mães, pais, avós , tios(as)....etc... 

" Tenho encontrado ao longo da minha vida adulta (se é que eu alguma vez fui isso ) um padrão de casamento e separação que coincide com o nascimento de um filho e os seus três primeiros anos. Nem sei quantos casais vi separar nesta fase, durante os três primeiros anos. É o que eu costumo chamar de "a grande centrifugação". O sofrimento está sempre na proporção da diferença entre o que esperávamos e o que realmente encontramos.No caso dos casais recentes e dos pais recentes, é muito rápido começar a ser extremamente doloroso encontrar no que deveria ser o tempo mais feliz das suas vidas, um verdadeiro inferno, do qual nem se podem queixar porque a sociedade ainda vive mergulhada no mito dos príncipes e das princesas e do "felizes para sempre", numa imaturidade emocional que vem do facto de sermos seres preparados para profissões desde os 5 meses de idade.Não existe nos nossos 18 anos de escolaridade obrigatória um único tempo dedicado a preparar-nos emocionalmente. Ao auto-conhecimento, a aprender que existem milhões de diferentes formas de amar, a aprender a diferença entre amor e dependência, amor e carência, amor e vontade de controlar através da força, através da manipulação.Nada nos prepara para lidar com a tortura psicológica, a sombra que todos temos, a criança que todos guardamos dentro, a história do que enfrentámos enquanto crescíamos e o resultado físico, psíquico, social e espiritual dessa espécie de escultura orgânica e mágica, que gera pessoas todas tão diferentes e, inacreditavelmente parecidas.O que esperávamos e o que encontramos fica ali a ser vivido com uma testemunha minúscula, indefesa, 100% dependente. E que ainda se está a ajustar a ter pulmões e intestino a viver numa atmosfera e a funcionar de forma autónoma, sem cordão umbilical.Culpa, exaspero, e uma nova forma de solidão partilhada e mais solitária do que nunca, luta com o que temos dentro, luta com o que temos fora, e quando se vai a ver ninguém compreende ao certo, esperam de nós sei lá o quê. 

Vi isto um sem número de vezes.Até cada um quase esquecer quem um dia foi. E quem foi aquele que um dia quisemos tanto.Às vezes da vontade de chorar encontrar pessoas do passado. E é tão constrangedor falar do presente e ficar na dúvida entre o "Está tudo bem, casei-me, e agora temos este pequenino..." ou o rebentar a chorar e pedir "Tirem-me deste fiiiilme!!"O conceito de amor passa por um redefenir dia após dia, enquanto cada um muda por dentro e ama de outra forma todos os dias. Ou pior, sempre da mesma forma.Apetece tanto fazer funcionar, ser capaz de fazer entender, ser capaz de descobrir a maneira de dar a volta a tudo aquilo.E semanas sucedem-se. E ela manda, ordena, suplica, implora, chora, berra, e manda outra vez. E ele atura, e atura, e depois salta-lhe a carica, e depois volta a aturar, sente culpa, mas também "se passa", e tenta corresponder enquanto tenta defender-se para se manter intacto...E no meio disso anda ali uma pessoa a crescer. E quantas vezes o ego dos crescidos se exerce nas crianças, já que nos adultos não se consegue?E quantas vezes as crianças são arma de arremesso?E quantas vezes se perde a noção do que é certo e do que é puro conflito de ego?E quando os avós começam a tomar partido e a pressionar e a debitar opiniões e a pôr mais culpa e vergonha no casal já todo virado do avesso.Então vem uma chuvada sobre a lava e fumega durante dias e dias. O casal separa-se e tem de andar de fininho a pisar o chão dessa ressaca.Vai cada um para seu lado e existe um misto de alívio, de mil coisas que ficaram por dizer, de uma espécie de vontade que o outro caia em si e nos dê finalmente razão e queira mudar, misturada com a sabedoria de que o outro não vai mudar e que é má ideia voltar.E no meio disto anda uma criança pequenina a tentar fazer algum sentido da vida.E o pai e a mãe, podem amá-lo como nunca amaram ninguém na vida, só que os tempos foram de guerra e paz, de amor e raiva, de um desatino avassalador e nem sempre houve a disponibilidade emocional e física para ficar só a acompanhar o milagre da vida, de uma pessoas que nasce e ganha ferramentas todos os dias. Para lidar com aquilo que lhe damos. Seja amor, seja medo, seja fúria, seja o que for que fica ali para o resto da vida, para ser atirado contra os adultos do futuro.Se é ego? Se é o que devo fazer realmente?Eu só encontrei uma diferença. Quando é luta de ego, a intranquilidade fica ali, num reboliço a atiçar-nos.Quanto tentamos fazer o que está certo em dada circunstância, existe uma tranquilidade de fundo. Que pode ser bem, bem, lá no fundo. Mas que existe se pararmos um pouco para ficar atento.É como um templo partilhado por 2+1, onde tudo se fecha em torno de um enorme conflito do qual a pessoa ou sai mais madura e amável, ou sai mais arisca conflituosa.No meio disto, uma criança vai crescendo. Confrontando os adultos com culpas que muitas vezes se resolvem berrando com ela, por tudo o que ela faz quando já estávamos tão sem paciência.Quantas vezes vi isto?As suficientes para dizer que tem de haver uma rede de amor, uma rede social de apoio, uma rede de pessoas construtivas, dedicadas e abnegadas que faça teia com estas famílias e as faça sentir integradas, protegidas, com perspectivas de futuro, com apoio, com alegria, com outra frescura.A maior revolução da humanidade não vai ser política.Vai ser quando aprendermos a ser rede de apoio, a tomarmos conta uns dos outros, a fazermos parte e a envolvermo-nos de forma feliz, de forma simples e sem cobranças, sem acusações, sem fazer com que os outros se sintam estúpidos por se sentirem tão em desespero.Se são as Mães de Transição, se é outra rede, se são todas as redes juntas, pouco importa.Mas que a revolução comece. E que não seja do contra. Que seja do estar atento e do amor, da integração sem constante questionamento do valor intrínseco das pessoas. E que seja já."


 Texto de Sofia Passos (mães de Transição) quem quiser conhecer o conceito Mães de Transição pode fazê-lo aqui.

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