6 de fevereiro de 2014

SÃO MAIS QUE AS MÃES


" Tenho tantas mães dentro de mim, quanto os dias que o ano tem. E ainda a mãe que hoje não lhe apetece dar banho à bebé, e portanto, não dá."



Hoje tenho mais um post com textos dos outros, sempre que encontro algum texto que me agrada e de certa forma me identifico gosto de o guardar aqui pelo arquivo com o nome "Textos dos Outros", já lá andam mais alguns. 
Gosto de ser mãe - cá à minha maneira e não tanto como vem na cartilha maternal. É que tenho tantas mães dentro de mim, quanto os dias que o ano tem. Há a mãe que acha que a miúda não precisa de mais um casaco. E a que prefere dar-lhe pêra, mais fácil de desfazer em puré do que a manga, que escorre pelos dedos. E ainda a mãe que hoje não lhe apetece dar banho à bebé, e portanto, não dá.

No Inverno, há a mãe que já não tem a sola dos pés preta porque calçou umas peúgas. E que assim que a bebé adormece vai até ao berço em passo lento para não ranger o chão de madeira, tapar a miúda. Porque eu tapo-a, e ela destapa-se. Dou-lhe uma colher de sopa, e ela cospe-a. Dou-lhe banho, e ela bolsa assim que está vestida.

E adoro quando é domingo, o dia em que tiro folga de ser mãe, para poder juntar-me à família de selvagens lá de casa. “Queres fazer o pino na espreguiçadeira? Não queres comer fruta? Estás a morder freneticamente uma meia? Sim, sim, sim. Aproveita que a mãe não está cá. Hoje só está aqui a Sofia, conheces? Essa não se importa com o macaco que tens a sair do nariz. Já a outra, assoava-te até não sobrar um priminho vivo. Quanto a essa brincadeira de lamberes as manchinhas pretas do chão de madeira, se fosse a ti, só o fazia às segundas e quintas-feiras, que é quando a Albertina limpa o chão”.

As mães são as especialistas em maternidade. Mas eu não sou especialista em nada. Sofro sim, como me diagnosticou uma amiga, de googlite - à conta de pesquisar na Internet tanto assunto maternal. Aprender a ser mãe está à distância de um clique. Há redes, fóruns, sites, blogues de mamãs. Há cursos pré-parto e cursos pós-parto. Há livros de pediatras de renome, há livros de mães que vendem mais que os pediatras de renome porque o seu renome é maior, “toma, toma”. “Olha lá, que creme é que o pediatra te recomendou para as assaduras no rabinho do bebé?”. “Não me lembro… mas a mãe blogger, que sigo na net, aconselhou-me a usar iogurtes gregos naturais, daquela marca que ela está sempre a falar”.

A vivência maternal também mudou e anda muito activista. Ser mãe, hoje, é uma experiência. Deixar a criança sossegadinha em casa está fora de questão. E levar ao jardim para ver as árvores e ouvir os passarinhos, não basta. Isso é para mães que andam a dormir. O jardim tem de ter um concerto de jazz, muitas mantas bonitas no chão e promotoras a matar a sede aos progenitores. Para entreter os bebés, as novas mães levam-nos ao cinema. E não faltam aos concertos para bebés que terminam com um palco transformado em berçário. Qualquer dia, há festivais para bebés, a cinquenta euros a entrada do rebento, em Paredes de Coura. Por fim, a experiência ainda dá uma perninha no mundo da moda. “O teu bebé não tem um body dos Ramones?”. “Não, mas tem um pijama tigresse”. É que nenhum bebé quer ir passear ao Chiado de cueiros. 

Sou a mãe que tem mais de duas mil fotografias da filha, de 7 meses, no telemóvel. O que dá uma média de 10 fotografias por dia desde que nasceu. Em metade delas, a miúda está de olhos fechados, a dormir. E cerca de uma centena de fotos estão tremidas. As restantes estão boas, e se gostar de alguma em particular, tenho mais dez iguaizinhas.

Logo eu, que só me conheço depois dos três anos. Até essa idade, só há registo de uma única fotografia minha, sentadinha num banco de jardim. A desculpa é que “quando nasceste tínhamos a máquina fotográfica avariada”. Trauma que vai explicar porque é que a Laura vai ser modelo fotográfico, quer queira, quer não. A minha teoria é que, além da dita avaria, eu era a terceira filha, ou seja, aquela que já está a repetir as gracinhas dos outros que vieram antes.
Isto para dizer que, hoje, esta desculpa não pegava. Para registar que uma infância existiu, há sessões fotográficas para pré-mamãs, mamãs e familiares. E há telemóveis para filmar o arroto do menino. Porque há um período de cerca de três meses em que o arroto é a coisa mais importante na vida de uma mãe. “Já arrotou? Não arrotou? Tem de arrotar!” Então o bebé dá um arrotinho educado e a mãe fica na dúvida. “Isto foi um arroto? Fez um barulho, mas não sei se foi um arroto”. Então o bebé arrota que nem um sapo. “Ah ah! Que bonito arroto!” E pronto, há este lado interessantíssimo no registo da criação de bebés.

Gosto pois de ser a mãe que regista o que lhe apetece, de uma audiência restrita a uma bebé que me sorri mas não responde às minhas dúvidas. Como quando achei que estava em pecado maternal ao ler que “uma mãe jamais diz palavrões” e que a sua conversa deve “versar sobre coisas boas porque o seu coração é puro”. Caramba, vou ali punir-me com pimenta na língua. “Filha, caramba não é palavrão, pois não?” 

Também sei ser uma mãe de dias úteis, que não deixa a filha sair sem levar o gorro. Ou uma mãe inútil, que encolhe os ombros por se ter esquecido do dito gorro. E até a mãe idiota, que leva o gorro para a praia para proteger a filha do sol. Mas quando estou no meu melhor, sou uma perfeita mãe desgovernada, que enfia o gorro na sua cabeça para ir tomar duche, pois não encontra o 'raistaparta' da toca do banho e até já está atrasada. É que as mães que tenho dentro de mim, são mais que as mães!

Tenho para mim que adjetivar uma mãe como “boa mãe” é uma redundância. Porque ser mãe, já de si, é ser boa. E, se não for boa, não é mãe. É apenas aquele palavrão que nos pariu.

Sofia Anjos, 38 anos, directora de contas numa agência de comunicação, foi mãe pela primeira vez em Maio.
Que tipo de mãe se sentem hoje?! 

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